“Qualquer
um pode olhar para você, mas é muito raro encontrar quem veja o mesmo mundo que
o seu.”
Depois de seis anos sem lançar um livro, John
Green – autor do best-seller A Culpa é das Estrelas – volta às livrarias com Tartarugas
Até Lá Embaixo, que foi publicado no Brasil pela Editora Intrínseca em 2017 (1ª
edição; 272 páginas) e conta com tradução de Ana Rodrigues.
No livro, narrado em primeira pessoa, o
leitor conhecerá a jovem Aza Holmes, uma garota de dezesseis anos que vive em
Indianápolis, onde estuda na White Rivers High School e guia seu Toyota Corolla
– carinhosamente chamado de Harold. A garota mora com a mãe, mantendo uma
relação de conflito de gerações característico da adolescência.
A jovem Aza segue seu cotidiano um pouco
conturbado pelos seus pensamentos (o que tem ligação direta com um transtorno
que ela possui), até que sua amiga Daisy Ramirez fala sobre o desaparecimento
de um bilionário chamado Russell Pickett “o
controverso CEO e fundador da Pickett Engenharia”.
A tagarela Daisy (o leitor vai perceber isso
pela maneira como ela fala nos diálogos), escreve fan-fic de Star Wars e está de
olho na recompensa oferecida por informações sobre o homem desaparecido. A
quantia de cem mil dólares chama a atenção dela, que propõe para a amiga Aza
que investiguem o misterioso sumiço. O motivo de Daisy fazer tal proposta
deve-se ao fato de que Aza conhecia Davis – filho do homem desaparecido. Eles
haviam se conhecido quando pequenos e chegaram a ter um certo convívio.
Aza revela as espirais de pensamento que
afetam a sua vida. Volta e meia ela lida com pensamentos estranhos, que parecem
tirá-la do mundo e causa-lhe desconforto. Isso se deve ao fato de que ela sofre
de transtorno obsessivo compulsivo (TOC). Tal transtorno acomete milhões de
pessoas e pode causar ansiedade acentuada, medo, desconforto e interferir no
cotidiano. Aza, passa pela torrente de pensamentos que a aflige. Um curativo em
seu dedo revela uma ferida em sentido literal e figurativo. Por ali abre-se um portal para sua obsessão em
não se contaminar. Limpar e trocar o curativo do ferimento é seu modo de afastar
a tormenta que inunda sua mente.
“Acho
que eu não gosto de ter que viver num corpo, se é isso que faz sentido. Acho
que talvez, no fundo, eu seja só um instrumento, uma coias que existe apenas
para transformar oxigênio em dióxido de carbono, um mero organismo nessa...
nessa imensidão toda. E é um pouco aterrorizante pensar que o que eu considero
como o meu... abre aspas, meu eu... fecha aspas não está nem um pouco sob meu
controle.”
Declara Aza Holmes em diálogo com Davis.
O desaparecimento do CEO soa estranho, muito
estranho. Nem mesmo os filhos são herdeiros da fortuna acumulada. O herdeiro
declarado no livro, possivelmente, não conseguiria matar o homem ou arquitetar
o seu sumiço. A partir da investigação que Aza e Daisy iniciam, a protagonista reconstrói
relações, incluindo a sua convivência com Davis, traça um novo panorama para o seu
laço de amizade com Daisy, se sente superprotegida pela mãe em meio aos
conflitos de geração e vai expondo ao leitor sobre o seu transtorno e como isso
a afeta em vários e amplos sentidos.
“... a
vida é uma história que contam sobre nós, não uma história que escolhemos
contar.”
John Green tem uma escrita fácil de ser absorvida
pelo leitor. Escreve a obra de modo leve, com um ar de jovialidade, que paira
inclusive em seus personagens. Além disso, estes são carismáticos e fáceis de serem
adorados pelos leitores. Outra coisa que nota-se claramente em Green é que não
falta humor nos diálogos e nas trocas de mensagens que eles fazem (sim, porque
estamos na era da internet e os personagens são jovens que se correspondem por
mensagens via celular). Daisy é um exemplo disso. Suas falas e sua paixão por Star Wars rende risos durante
a leitura.
A protagonista é uma personagem que busca de
alguma forma compreender seu transtorno, e o autor, possivelmente, conta pela voz
da própria Aza, o seu sentimento com relação a isso. Chama a atenção o fato de
não ser uma personagem estereotipada e nem representada com longas cenas que
reforçariam sua doença psíquica na demonstração repetitiva de uma mesma ação.
As inquietações da personagem, sua forma de tentar sair das espirais de
pensamento e como ela convive com isso, dá a Tartarugas Até Lá Embaixo um tom
mais próximo da realidade. A abordagem da doença emana do interior da
personagem para as páginas, o que deixa o livro mais interessante. Sabe-se que
o próprio autor sofre de TOC e isso pode ter contribuído em muito para que a
personagem tenha um ar crível e fale com tanta propriedade sobre como o transtorno
lhe causa desconfortos e quais são esses desconfortos, bem como isso a afeta.
A jovem personagem ganha vida própria. “Por favor, só me tire dessa. Quem quer seja
o meu autor, me tire dessa”, diz Aza. E, logo no início do livro, ela
manifesta: “Quando me dei conta pela
primeira vez de que eu talvez fosse fictícia...” Falaria ela a seus
pensamentos ou, metalinguisticamente, dirige-se diretamente a Green, seu
criador que se perfaz na personagem?
O livro foi uma grata surpresa.
O modo com John Green trabalhou a trama
surpreende por não parecer algo óbvio. Coloca uma história de desaparecimento e
investigação no segundo plano, mistura com o ambiente familiar e os ciclos
sociais de Aza e seus amigos, construindo uma trama de relações em diferentes
aspectos. O livro traz ainda referências à cultura pop e não deixa de tocar com
conhecimento o transtorno psíquico que a personagem tem e, o melhor, sem fazer
uma caricatura da doença. Transborda por meio de Aza toda a sensação que ela
vivencia ao lidar com os pensamentos que a domina. E não há pontas soltas na
história, tudo se encaixa, por mais irrelevante que possa parecer num contato
mais desatento.
Se você ainda não leu, Tartarugas Até Lá
Embaixo não pode faltar na sua lista.
Foto: Marina Waters |
Sobre o
autor
John Green, autor de A Culpa é das Estrelas;
Quem é você Alasca?; Cidades de Papel e O Teorema de Katherine, é um dos
escritores contemporâneos mais queridos pelo público, com mais de 4,5 milhões
de livros vendidos no Brasil. Citado pela revista Time como uma das cem pessoas
mais influentes do mundo, mora com a família em Indianápolis, nos Estados
Unidos.
Ficha
Técnica
Título: Tartarugas Até Lá
Embaixo
Escritor: John Green
Editora: Intrínseca
Edição: 1ª
ISBN: 978-85-510-0200-1
Número
de Páginas:
272
Ano: 2017
Assunto: Ficção americana
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe aqui seu comentário.