Crônica
de Uma Morte Anunciada, do Nobel de Literatura Gabriel García Márquez foi
publicado pela Editora Record em 1997 (22ª edição) e tem tradução de Remy
Gorga. Originalmente o livro foi publicado em 1981 e várias são as edições
publicadas posteriormente. A que li encontrei numa feira de livros usados.
Daria para contar uma história sobre o próprio livro (objeto físico). Trouxe
para casa a edição cuja capa traz apenas a inscrição do nome da obra e o
amarelado provocado pela ação do tempo.
Vamos ao que interessa.
Nesta história contada por García Márquez o
leitor começa sabendo que Santiago Nasar, o protagonista, vai morrer: “No dia em que o matariam, Santiago Nasar
levantou-se às 5h30 da manhã para esperar o navio em que chegaria o bispo.”
A visão patriarcal de uma família, que vê sua
honra sendo colocada em xeque e a forma ardilosa com que uma mulher tenta se
safar, levam Nassar ao seu fim. Também é revelado pelo autor, logo no início,
que a morte fora praticada pelos irmãos Vicário (Pedro e Pablo). Daí o fato de
termos a morte anunciada no título do livro.
“_Vamos
matar Santiago Nasar.”
O leitor vai adentrar os acontecimentos da
vida de Santiago e saber quais os detalhes dos motivos que levaram os autores
do crime a tomarem a decisão de matá-lo. A trama se desenrola para demonstrar a
morte anunciada a quem lê.
Quase todos os habitantes de Riohacha, onde
Santiago morava, sabiam sobre a possibilidade de que o assassinato seria
cometido, no entanto, não tomam medidas concretas para evitar a ocorrência do
crime. Uma morte sabida, porém não evitada. Eis aqui a graça da coisa. Gabriel
García Márquez, como um bom contador de histórias, desenrola a narrativa em
cima dos fatos que precederam a morte de Santiago, bem como o desenrolar de
toda a ação até que a morte (anunciada) seja concretizada.
Gabriel Garcia Márquez cria um narrador, que
buscou as informações sobre a morte de Nasar, contando-a a partir da memória do
próprio narrador e do que ele coletara com as pessoas que tiveram contato com Nassar
no dia e nos dias precedentes a seu fim. Esses fragmentos sobre o caso vão
dando claridade ao leitor e elucidando o assassinato, num texto que se faz como
um relato jornalístico. É a crônica do personagem e a forma com que ele
constrói o texto que dá atratividade a leitura da obra.
“Eu
conservava uma lembrança muito confusa da festa antes de me decidir resgatá-la
aos pedaços da memória alheia” – relata o narrador do livro.
O autor também utiliza-se do recurso de
retroceder e avançar no tempo, tornando a história um jogo de peças que vão se
encaixando para dar luz ao que há de ser revelado. O que ratifica a explicação
do personagem-narrador de que tem lembranças que foram resgatadas com outras
pessoas. Um retalho de visões sobre um mesmo fato.
Todos que sabiam da possibilidade da morte de
Nassar parecem contribuir para o ocorrido, uma vez que nenhum deles alertou a
vítima. Por que? Por sadismo? Por medo? Por não levarem a sério? As indagações
surgem, no entanto, não é nisso que reside a narrativa de Gabriel García
Márquez. Os personagens não são “julgados”, tampouco “julgadores”. Toda a
história se baseia em demonstrar os fatos e as constatações levantadas pelo
narrador junto aos outros personagens do livro. Logo, caberá ao leitor fazer a
inferência sobre as abordagens que são apresentadas na história.
Ao saber o motivo da morte de Santiago e
pensar na questão da justiça pelas próprias mãos, é mister que surgirá reflexão
sobre o tema. A morte fora provocada por inverdades? A justiça feita com as
próprias mãos é justa? Quando os assassinos tem uma pena branda o que é que se
diz à sociedade? Por meio da narrativa ficcional há assuntos pertinentes à vida
real, que merecem reflexão. Reforço que não é o questionamento por parte dos
personagens, mas o que salta da obra ficcional a quem lê. Implicitamente há
certa provocação sobre os assuntos. Talvez seja apenas e tão somente a minha
interpretação sobre a leitura, notando que ali há elementos que persistem em
evocar esse pensamento.
Lavar a honra com sangue, a facilidade com
que a lei/justiça se torna elástica quando trata-se de alguém que tem uma
situação financeira mais privilegiada, o silêncio diante de assuntos sérios (como
a morte anunciada de alguém), a tagarelice para apontar histórias sobre os
outros. Talvez, e só talvez, porque ainda restam algumas indagações, tenha sido
essa a essência que extraí do livro. Gabriel García Márquez é um escritor que
consegue colocar na sua ficção assuntos que estiveram/estão na sociedade, além
de seu tempo.
Uma coisa intriga quando começamos a ler. Se
o leitor já sabe que Santiago Nasar vai morrer e que os assassinos são os
irmãos Vicário, por que ler? Aí está a questão. Gabriel García Márquez escreve
tão bem que consegue nos conduzir a querer desvendar as motivações da morte do
personagem e tudo que ronda esse crime. Quase não importa quem morreu e quem
matou, mas como a história desse assassinato se desenrola, o que ela nos diz
indiretamente e os personagens que fazem parte dela.
Um excelente livro.
Foto: Reprodução |
Sobre o
autor
Gabriel García Márquez nasceu em 1927 na
Cidade do México. Foi escritor, jornalista e editor. É considerado um dos
autores mais importantes do século XX e um dos escritores mais admirados e
traduzidos no mundo, com mais de quarenta milhões de livros vendidos em cerca
de 36 idiomas. Foi vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1982 pelo conjunto
de sua obra. Seu primeiro trabalho publicado foi “La Hojarasca”, lançado em
1955. O escritor faleceu em 17 de abril de 2014 na cidade onde nasceu, pouco
tempo depois de completar oitenta e sete anos.
Ficha Técnica
Título: Crônica de Uma
Morte Anunciada
Escritor: Gabriel García
Márquez
Editora: Record
Edição: 22ª
ISBN: 978-85-01-01943-7
Número
de Páginas:
177
Ano: 1997
Assunto: Crônicas
colombianas
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