Hirondina Joshua é poetisa moçambicana que
teve o seu livro Os Ângulos da Casa, publicado no Brasil, pela Editora Penalux.
Mia Couto faz a apresentação do livro. Para o escritor, um dos autores atuais
mais representativos na literatura africana, o estilo surrealista de Hirondina
convida os leitores a um grande passeio poético. “Trata-se de uma visita a
um cotidiano que sendo familiar nos é estranho, porque nele se fala o idioma a
que ela chama de ‘a língua dos céus’”.
A poetisa concedeu entrevista ao Tomo
Literário e falou sobre literatura, processo criativo, leitores e poesia.
Tomo
Literário: Como foi o seu primeiro
contato com a literatura?
Hirondina Joshua: Entrei na literatura com a mão da filosofia. Comecei a ler livros de
filosofia quando tinha 12 anos, mas não num sentido de estudar filosofia, era
uma curiosidade infantil por aqueles livros serem livros para adultos e os meus
pais dizerem que eu não tinha idade para lê-los. A adolescência – a ideia de
invasão, “desobediência” e curiosidade. Nestas idades o livro transformou-se de
contos de fadas, quadrinhos, para uma coisa que não tinha um final feliz nem o
contrário, mas um processo de conhecimento uma abertura para outros mundos não
transcritos, transpostos por outras pessoas. Uma lente minha a ver o mundo e a
lente dos outros.
Tomo
Literário: Os Ângulos da Casa foi seu
primeiro livro. Fale-nos um pouco sobre a criação de seus poemas para esse
livro.
Hirondina Joshua: O processo de criação é uma descoberta contínua. Temos a inspiração,
aquela em que nós não podemos marcar encontros. Não está sob o nosso controle,
por outro lado, temos a parte consciente, a parte técnica, esta sim podemos
marcar dias para fazer oficinas ao texto, temos a prerrogativa de convidar
revisores, pessoas que entendem um pouco mais da língua que estamos a escrever.
Na verdade, os livros escrevem-se a si mesmos, nunca se acaba de se
escrever um livro.
Quando eu julguei que tinha terminado o livro para ele ser editado, eu
tinha mais emendas por fazer, mais textos por substituir, textos por escrever e
até mudei o título do livro para este atual. Este livro contém vários textos
que fui escrevendo ao longo dos anos. O caderno de sete poemas que intitula o
livro, escrevi nas vésperas do seu lançamento. Este processo de escrita
leva-nos a vários encontros. A poesia é um lugar de encontros. Eu não me
frustro por ter tido uma ideia original que se transformou numa ideia
contingencial, vejo como sendo natural esta metamorfose de eu fazer uma coisa e
me encontrar numa outra coisa.
Tomo
Literário: O que te inspira para escrever
poesia?
Hirondina Joshua: Inspira-me
a vida. Inspiram-me os livros. Inspiram-me as pessoas.
Tomo
Literário: Quais são os autores que foram
uma referência para você?
Hirondina Joshua: Na verdade, são vários de várias
partes do mundo, mas com o passar do tempo apaixonei-me pelo surrealismo e pelo
simbolismo e passei a pesquisar mais escritores dessas linhas, sem com isso
deixar de ver os outros. No surrealismo, gosto da ideia de democracia, isto é:
um pescador, um professor universitário poder emitir uma opinião, ideia ou
construção, acerca de um objeto artístico e todas opiniões serem válidas.
Importantes.
Claro que os processos inconscientes que usam são os que os simbolistas já
referiram.
E gosto da ideia provocadora.
Ora, não é uma questão de acreditar na escrita deduzida de movimentos, o
certo é que estes textos existem, são uma espécie de programa, uma camisa-de-forças
literária.
Hoje em dia as classificações literárias ou outras, são pouco interessantes
termos diacrônicos. Em termos de tempo e história literária. Para mim, o que
conta é o que o texto oculta no momento em que o recebo enquanto leitora. Daí
as leituras sobre o mesmo poema, consoante o tempo ou o momento em que ocorrem
serem diversas.
Tomo
Literário: Que livros você indicaria a um
amigo?
Hirondina Joshua: Literatura
moçambicana.
Tomo
Literário: Como você vê o cenário
literário em Moçambique? Quais escritores ou poetas moçambicanos você nos
indica?
Hirondina Joshua: Para
mim está muito bom, principalmente por estarmos a conhecer novos atores
interessantes da literatura moçambicana. Prefiro não dar uma lista porque
sempre irei me esquecer de alguém e não quero ferir sensibilidades.
Tomo
Literário: Tem algum novo projeto
literário? Pode nos contar?
Hirondina Joshua: Tenho
sim, terminei o meu segundo livro de poemas nos primeiros meses do ano. Não vou
dizer o título, o que posso dizer é que é um livro temático diferente do anterior,
que tem textos soltos.
Tomo
Literário: Seu livro foi publicado no
Brasil pela Editora Penalux. Como tem sido a troca de informações com seus
leitores brasileiros?
Hirondina Joshua: Tem
sido muito interessante. As pessoas procuram-me nas redes sociais para dizerem
o que acham do livro, para fazerem perguntas. Tenho visto algumas reações na
internet por via de ensaios, partilhas de textos, comentários; e gosto.
Tomo
Literário: Você tem participação em
antologias e textos publicados em jornais e revistas. Como é o seu processo de
criação dos textos?
Hirondina Joshua: Escrever para revistas e jornais é uma espécie de traição, como havia dito
não se marcam horas para se escrever um texto. Os encontros são sempre
imprevisíveis é o lado sensível das coisas. Ter que escrever periodicamente
para um jornal ou revista, causa-me desconforto. Às vezes não consigo cumprir
horários, a escrita torna-se mecânica, por isso evito colaborações com tempo
determinado. Prefiro àquelas em que quando eu tenho o texto envio para
publicação sob pena de deixar a escrita “transfigurada”.
Tomo
Literário: Quer deixar algum comentário
para os leitores?
Hirondina Joshua: Leiam
livros não para serem poetas mas para encontrarem a poesia.
Saiba
um pouco mais sobre a poetisa
Foto: Reprodução |
Hirondina Joshua (Maputo,1987) é uma poetisa
de destaque na nova geração de autores moçambicanos. Tem participação em várias
antologias nacionais e estrangeiras e textos publicados em jornais e revistas
de Moçambique, Portugal, Angola, Galiza e Brasil. Dentre as quais, destaca-se
as revistas Caliban, Zunái, TriploV, Òmnira, Courrier
des Afriques, Acrobata, Sirrose, Literatas, Soletras.
Ainda recebeu a menção extraordinária do Premio Mondiale di Poesia Nósside
(Itália, edição 2014).
Conheça
Os Ângulos da Casa
A obra dialoga com diversos temas complexos,
como sexualidade, afetividade e erotismo. A “Casa” destacada na poesia, é
representada pela escritora como o espaço psíquico, o interior e os sentimentos
e os ângulos a maneira de pensar, de observar, o ponto de vista.
Disponível no site da Editora Penalux.
Acompanhe
a poetisa nas redes sociais.
Instagram: https://instagram.com/hirondina.joshua
Linda entrevista!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ExcluirShow :) No meu blog comento sobre Literatura Africana em Língua Portuguesa com relativa frequência. Nesse domingo (29/10) postei uma resenha sobre o livro "A Geração da Utopia" do angolano Pepetela :)
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