De Repente, nas Profundezas do Bosque, de
Amós Oz, foi publicado pela Companhia das Letras em 2007, com tradução de Tova
Sender.
“A
professora Emanuela explicou à classe como é um urso, como os peixes respiram e
que sonos a hiena produz à noite. Ela também pendurou na sala gravuras de
animais e aves. Quase todos os alunos debocharam dela, porque nunca na vida
tinham visto um animal sequer.”
Os adultos de uma pacata aldeia guardam algum
segredo. Ali não há animais, apenas humanos. Já não há peixe, réptil, pássaro,
inseto, mamífero, onívoro ou quaisquer outros animais.Tudo o que as crianças
ouvem dos mais velhos é que os animais fazem parte de uma lenda que, inclusive,
pode ser tida como perigosa. Uma lenda maluca, contada para afastar as crianças
do desejo de saber mais sobre os animais. Os poucos que se atrevem a falar
sobre isso são a professora Emanuela, o pescador Almon que virou lavrador e
fala com um espantalho e a padeira Lídia, por exemplo, que joga migalhas a
espera de pássaros que não existem.
Mas, toda criança, carrega curiosidade em
descortinar o mundo, em saber mais, em aprender. E elas ficam intrigadas com o
fato de não poderem se aproximar do bosque, tampouco de sair a noite de suas
casas. A noite, segundo dizem os adultos, representa as trevas, em que um
demônio atormenta a todos, o mesmo demônio que, segundo a lenda narrada da aldeia,
teria capturado os animais e que mora numa montanha do bosque proibido.
“Tudo
isso porque à noite um grande medo tomava conta da aldeia. Noite após noite,
todo o espaço exterior pertencia a Nehi, o demônio da montanha.” Os pais alimentam o
imaginário das crianças dizendo ainda que o demônio desce em busca de sinais de
vida. Se ele se deparar com um inseto que seja, leva-o embora.
Mati e Maria são duas crianças curiosas que
despertam para a procura de saber o que há no bosque, que mistérios existem por
ali. Eles querem saber mais do que apenas aquilo que é dito pelos adultos. E
com curiosidade e inquietação, própria das crianças, eles vão atrás do que
querem saber.
“Eram
estranhos os desvios de memória das pessoas da aldeia: coisas que eles se
empenhavam em lembrar às vezes fugiam e se escondiam bem no fundo, sob o manto
do esquecimento.”
De repente, nas profundezas do bosque é uma
fábula. Amós Oz usa da fantasia para tratar de assuntos que são inerentes à
sociedade contemporânea. Por meio de seus personagens e da bela história ele
faz uma metáfora sobre discriminação, fala sobre a necessidade de convivência e
de compreender as diferenças e, traz ainda, a discussão sobre o homem e a
natureza. Como o homem trata os outros homens? Como o ser humano lida com a
natureza?
Em Mati e Maria há o descolamento da
doutrinação imposta pelos adultos. Eles partem em busca de, com seus próprios
olhos, verem. E não se contentam com o olhar com os olhos dos outros.
Outrossim, o livro também fala da intolerância, manifestada quando alguém é
definido como portador do relincho ou tem um comportamento tido como estranho
(ante o olhar de quem discrimina). Tal observação pode ser notada, por exemplo,
com a forma como alguns veem Almon. Em trecho do livro diz-se: “Mas quem aqui afinal queria dar atenção a
Almon? Ele era um homem velho, falador e quase cego, que sempre ficava
discutindo com seu medonho espantalho”. Outros personagens também passam
pelo rechaço provocado pelos demais. É o caso também de Nimi, um menino
descuidado, que anda com o nariz escorrendo e tem um intervalo entre os dentes.
Ele sonha, mas tem seus sonhos abafados pela maldade dos outros. Nimi, em certo
momento, despareceu e após voltar é renegado, pois teria adentrado o misterioso
bosque.
Ao longo da história Amós Oz usa questões
retóricas que além de dar ênfase ao que os personagens encararão na sequência,
traz o leitor para a reflexão sobre o assunto que será abordado dentro da
história.
Chama a atenção o fato obscuro de os pais esconderem
que houve a existência dos animais. Culpa? Medo? Uma cegueira camuflada para
criarem o seu mundo perfeito, sem aceitar as diferenças? Eles querem um mundo
em que não haja questionamentos? Querem colocar uma névoa sobre aquilo que pode
causar-lhes desconforto? Debochar, discriminar, tirar sarro, avacalhar e manter
o outro distante é um modo de se sentir superior? Os adultos incutem
pensamentos preconceituosos nas crianças?
“...
eram na realidade invenções esquisitas que os pais criaram um dia, crendices
sem importância que já passaram do tempo e agora era preciso afastá-las para
que afinal pudessem viver a vida real, porque quem vive de fantasias
simplesmente não é como nós, e quem não é como nós também vai adoecer do
relincho, e todos vão manter distância dele, e ninguém jamais poderá salvá-lo.”
A grande mensagem do livro é sobre respeito e
quebra de preconceitos. Nós, humanos que somos, por vezes rechaçamos o que é
diferente e não conseguimos lidar, minimizando ou menosprezando quem não é
igual, isolando-os do mundo para que não interfira no nosso modo de viver,
ainda que, naturalmente, não haja um impacto, posto que a vida é do outro. Uma
lição que pode ser facilmente compreendida por uma criança, ao ler a fábula de
Amós ou por um adulto. O livro tem esse viés e decerto que agrada ao público de
qualquer idade.
A narrativa de Amós é encantadora, leve,
agradável e o livro pode ser lido de uma única vez. De repente, nas profundezas
do bosque é daqueles livros que nos faz adentrar a história e refletir sobre a
temática abordada.
Foto: Reprodução |
Sobre o
autor:
Amós Oz, nascido em Jerusalém em 1939, é
considerado o principal escritor israelense da atualidade. Professor de
literatura na Universidade Ben Gurion, mora em Arad, no deserto de Neguev, em
Israel. Publicou dezoito livros, em sua maioria de ficção, traduzidos para
cerca de trinta idimoas. Dele, a Companhia das Letras lançcou Pantera no Porão,
Conhecer uma Mulher, Fima, O Memo mar, Meu Michel, De Amor e Trevas, Não Diga
Noite e A Caixa Preta.
Ficha Técnica
Título: De repente, nas
profundezas do bosque
Escritor: Amós Oz
Editora: Companhia das
Letras
Edição: 1ª
ISBN: 978-85-359-0996-8
Ano: 2007
Número
de Páginas:
139
Assunto: Romance israelense
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