“Vivo
entre a exacerbação de uma mente doente, que ignora limites e poderes, e uma
encenação ordinária que impõe toda sorte de dúvidas temperadas com dores de
intensidades variadas.”
Arco de Virar Réu, do escritor Antonio
Cestaro, publicado pela Editora Tordesilhas, é narrado em primeira pessoa por
um historiador, cujo interesse maior está centrado no estudo antropológico das
sociedades indígenas.
Pedro, irmão do narrador, é internado depois
de ter ficado um tempo desaparecido. Encontrado pela família, na internação vem
o primeiro diagnóstico: desorientação. Ele apresenta um quadro grave de
ansiedade e fala sobre uma disputa entre um coronel e um general. Aqui
percebemos o primeiro descolamento entre realidade e imaginação. Pedro acaba
atacando um colega e chega a ferir-lhe gravemente uma parte do corpo, o que
leva aquele homem indefeso que fora por ele atacado, a seu fim.
Logo adiante, o diagnóstico confirma a
esquizofrenia de Pedro. O narrador, inclusive, chega a tomar a frente numa
reunião familiar para decidir o que fariam. Era preciso que ele fosse recebido
no seio familiar e, ainda assim, garantir a harmonia. Cada detalhe prático
deveria ser empregado de acordo com a situação, a seu tempo.
A família do personagem deixou marcas. Como
toda família eles viviam seus problemas, tendo um pai ausente que fugiu de casa,
uma mãe fragilizada que começa a se envolver com a bebida, um primo viciado em
entorpecentes e que quer usar a historia de Pedro em seu projeto de cinema, aproveitando
as falas de Pedro sobre a guerra imaginária, além da própria esquizofrenia do
primo. Sem contar Carolina, que ora parece ser a esposa ou enamorada do
narrador e ora parece ser apenas fruto de sua mente. Os fatos conturbados
vividos pelas pessoas próximas deixam suas impressões na vida de todos.
Arco de Virar Réu trata da deterioração
mental e física do narrador. O leitor vai adentrando aos poucos esse universo
que é, de certo modo, a descoberta do próprio personagem em relação ao mal que
o assola. Ele vai descobrindo nos males do irmão, também o seu mau mental e
físico, enquanto narra os fragmentos de memórias e retalhos de uma vida que ele
rememora e lança ao leitor. A linha tênue entre a loucura e a sanidade, o
delírio e a realidade, se expressam na maneira como ele fala a quem o lê.
A narrativa adotada pelo autor para compor a
sua obra não é linear, é, pelo contrário, um labirinto de informações e
fragmentos que vão se interligando. Essa confusão proposital, em que o limite
entre a realidade e o imaginário não fica estabelecido leva o leitor para
dentro da história. Antonio Cestaro faz isso magistralmente, dando o toque da
sanidade que o personagem vai perdendo e da degradação física que vai encarando.
“Apesar
de não saber ao certo em que tempo e circunstância mudei para dentro da cabeça,
depois de resistir e tentar outros entendimentos, tive que aceitar que tenho
passado a maior da vida na cabeça, onde prazeres, afeição e coragem se misturam
com ódio, vergonha e medo.”
A identificação do narrador não é dada logo no início, só ficamos sabendo
no final do romance. Certo é que trata-se de um homem de meia-idade,
interessado em antropologia, apaixonado pelos costumes dos índios tupinambás e
que, em dado momento, lança-se ao costume de acobertar cadáveres o que vem da
forma com que os índios tratavam o canibalismo. A história se passa durante
toda a vida do personagem, desde o tempo em que seu irmão fora diagnosticado,
passando pela sua juventude, pela fase de ocultação de corpos mortos e tem desfecho
com a descoberta de sua própria loucura.
Antonio Cestaro, autor do livro, tem uma
escrita apaixonante. A forma com que o autor lida com as palavras entrega ao
leitor um belíssimo texto. A composição de fragmentos de memórias, dos
pesadelos e dos delírios, que se unem nas anotações do personagem, lançam o
leitor a questionar a própria veracidade das percepções desse homem. O que é a
realidade afinal?
Foto: Reprodução |
Sobre o
autor
Antonio Cestaro nasceu em 1965, em Maringá,
Paraná. É editor, fundador do selo Tordesilhas, dedicado à literatura. Em 2012
estreou como escritor com o livro de crônicas Uma Porta Para Um Quarto Escuro,
que ganhou o Prêmio Jabuti na categoria Projeto Gráfico. Em 2013 publicou seu
segundo livro de crônicas, As Artimanhas de Napoleão e Outras Batalhas
Cotidianas. Arco de Virar Réu é o seu primeiro romance.
Ficha Técnica
Título: Arco de Virar Réu
Escritor: Antonio Cestaro
Editora: Tordesilhas
Edição: 1ª
ISBN: 978-85-8419-035-5
Número
de Páginas:
151
Ano: 2016
Assunto: Ficção brasileira
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