“Amar o
impossível tem um preço que mais cedo ou mais tarde se paga.”
Elogio da Madrasta, de Mario Vagas Llosa foi
publicado originalmente no final da década de 1980. O objeto de leitura foi a
edição publicada pela Editora Alfaguara em 2009 (159 páginas). A publicação tem
tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht.
Lucrécia casou-se há quatro meses com
Rigoberto. Eles se amam e vivem com ardor juvenil os prazeres lascivos da vida
de casal. Ela saiu de um divórcio aflitivo e ele era viúvo. No entanto, eles
tinham uma preocupação, que era a aceitação dela por parte do enteado, um
menino que amava demais a mãe Eloísa e que poderia se tornar um obstáculo à
nova relação do seu progenitor. Contudo, tal preocupação em relação ao menino,
que poderia odiá-la, logo se esvaiu.
O pequeno nutria certa adoração pela
madrasta, como demonstra no bilhete que deixa para ela em seu aniversário e que
abre o livro de Mario Vargas Llosa. Ela percebe ou crê, que ele desperta mais
que o interesse maternal, desperta para o desejo carnal tendo-a como alvo, o
que se confirma quando Justiniana, a aia, conta que o flagrou espiando a
madrasta enquanto esta trocava de roupas. Peripécias típicas da idade ou algo
mais por traz desse ato tido como “normal”?
“O que
devia fazer? Falar com Fonchito e repreendê-lo? Ameaçar contar tudo a
Rigoberto? Qual seria sua reação? Sentir-se ferido, traído? Transmutaria
violentamente em ódio o amor que agora lhe dedicava?” Lucrécia passa por um
momento de dúvidas com relação aos atos do pequeno.
O autor faz sua narrativa num romance
erótico, que trata das relações do casal Lucrécia e Dom Rigoberto, e da paixão
juvenil expressada por Alfonso, chamado de Fonchito, filho dele, enteado dela.
A forma com que constrói a narrativa e com que elabora os personagens faz
com que o leitor navegue pelas páginas
com encantamento, quer seja a posição adotada por quaisquer um dos personagens
que Vargas Llosa criou na sua obra.
Um curiosidade a se observar é que no
capítulo abluções de dom Rigoberto há a descrição mais minuciosa que já li
sobre a limpeza do corpo humano. O personagem dedica-se a cada parte e talvez
cause estranhamento em alguns leitores. Segundo o autor “esse
cuidado tão laborioso com o seu corpo não tinha o objetivo de torná-lo mais
bonito ou menos feio”, mas para combater o peso da natureza com o passar do
tempo.
Em alguns capítulos do livro, em que são
descritas as fantasias do casal, o autor cita entes da mitologia, como Vênus e
Artemisa, exemplificativamente. Utiliza-se ainda de outras figuras como
Candaulares, rei da Lídia, numa alegoria que descreve de modo lírico o prazer a
que se entregam os personagens. Os capítulos que expressam as fantasias, usando
metáforas e alegorias, saltam aos olhos, como, por exemplo, aquele em que
Lucrécia se compara a pintura de uma tela que há na casa. Fantasia-se no quadro
quando da sugestão de um dos personagens. É a própria personagem se deixando
levar pelos desejos sugestionados por terceiros, que a levam a sentir viva, em
seus quarenta anos recém completados.
O menino redige uma carta. Vai se matar,
porque não sentia o amor correspondido por parte da madrasta, que tentava se
manter distante para que a proximidade não colocasse ainda mais fogo no desejo
que sentia. Ela fugia do cerco que o menino empreendia, ainda que ingenuamente,
com seus toques e beijos, e ao espreitá-la. Um ponto interessante a ser observado pelo leitor.
“...
perdera os escrúpulos e o sentimento de culpa que antes a mortificava tanto.
Aconteceu no dia seguinte ao episódio da carta e das ameaças de suicídio.”
O livro, de um homem considerado um grande
escritor, é de fato muito bem escrito. Com uma linguagem polida, mas que é
fluída. Todavia há que se mencionar que é um livro polêmico (nos dias atuais em
que tudo conduz uma leva de leitores a desejar o flerte tão somente com o politicamente
correto). Na obra de Mario Vargas Llosa, Lucrécia, a madrastra, se envolve com
o seu enteado, um menino. Coloca, então, a questão moral e, porque não dizer,
legal, na cena. Ainda que a questão não seja discutida na obra sobre esse viés,
fica destacado o conflito que Lucrécia tem com o que sente e o que vive.
O prazer que ela sente na relação que tem com
o marido é aguçado pelas aventuras secretas que encara com Fonchito. A mulher, madura,
se vê sexualmente atraída pelo garoto, ainda que inicialmente se questione
sobre tal atração. Eis aqui o conflito a qual me referi anteriormente. Mas
Lucrécia deixa-se levar pelo desejo da carne, pela juventude que parece
subtrair da relação com o enteado.
“... é
a pátria do instinto puro e da imaginação que o serve, assim como sua língua
serpentina e sua doce saliva me serviram e se serviram de mim. Perdemos o
sobrenome e o nome, a face e o cabelo, a aparência respeitável e os direitos
civis. Mas ganhamos magia, mistério e fruição corporal. Éramos uma mulher e um
homem e agora somos ejaculação, orgasmo e uma ideia fixa. Tornamo-nos sagrados
e obsessivos.”
É nesse meandro que o leitor vai adentrar,
nas culpas e desejos de Lucrécia, na forma ardil com o que o menino, ciente de seus desejos, se
aproxima da mulher e, da mesma forma, se faz inocente (revela seu lado
imaturo), quando quer safar-se de dados momentos que o colocam em risco ou que
podem dar transparência a seus sentimentos.
O livro tem uma escrita primorosa que faz o
leitor se encantar pelo autor. Mario Vargas Llosa constrói frases e usa a palavra de maneira mágica. Consegue transpor o erotismo com lirismo e perspicácia. Faz descrições de cenas com inteligência e de maneira que envolve quem lê. É um livro surpreendente.
Foto: Reprodução |
Sobre o
autor
Jornalista, dramaturgo, ensaísta e crítica
literário, Mario Vargas Llosa é um dos mais conhecidos e prestigiados
escritores da atualidade. Nascido em Arequipa, no Peru, em 1936, viveu em Paris
na década de 1960 e lecionou em diversas universidades norte-americanas e
européias ao longo dos anos. Numa incursão ao mundo da política, candidatou-se
à presidência do Peru em 1990, perdendo a eleição para Alberto Fujimori. Autor
de extensa obra literária, foi vencedor de prestigiosos prêmios como Cervantes,
Príncipe de Astúrias, PEN/Nabokov e Grinzane Cavour.
Ficha Técnica
Título: Elogio da Madrasta
Escritor: Mario Vargas Llosa
Editora: Alfaguara
Edição: 1ª
ISBN: 978-85-60281-73-2
Número
de Páginas:
189
Ano: 2009
Assunto: Romance peruano
O livro me fez ficar encantada com o autor
ResponderExcluir