“O
sentido da vida é que ela termina.” (Franz Kafka)
É fato que a morte não é um assunto que
agrada muita gente, mas por outro lado é preciso que saibamos ou falemos sobre
ela, vez que é destino certo de todos os seres humanos. Parece lógico, mas nem
sempre é assim, por vezes nos deparamos com pessoas que rechaçam a
possibilidade de falar sobre o assunto. Outros, no entanto, estão envolvidos de
tal forma com a morte que tem nela uma profissão.
Confissões do Crematório, de Caitlin Doughty
foi publicado pela DarkSide Books em 2016 (256 páginas) com texto traduzido por
Regiane Winarski. O livro conta sobre os seis anos da autora trabalhando na
indústria funerária dos Estados Unidos. São relatos de histórias verídicas e
pessoas reais. Caitlin cita na nota introdutória do livro que alguns nomes e
detalhes foram alterados “para preservar
a privacidade de certos indivíduos e para proteger a identidade dos falecidos.”
A autora trabalhou na Westwind Cremation
& Burial, empresa montada por Joe, vinte anos antes do início de sua
atuação no ramo. Seu chefe imediato e com quem vai lidar durante o período de
trabalho chama-se Mike.
Carregar corpos para a cremação, maquiar os
defuntos, barbeá-los, remover marcapassos de corpos que o tem, recolher os
ossos e cinzas após a cremação propriamente dita, encaminhar ossos para a
trituração, banhar cadáveres, são algumas das atividades que Caitlin
desenvolveu na Westwind e ela fala sobre todas elas.
Caitlin aborda ainda, visões de outras
culturas em relação a morte, entremeando com sua história e a dos mortos com
quem teve contato na empresa de cremação. O próprio livro também é fruto de um
trabalho de pesquisas que foram realizadas ao longo dos seis anos, por meio de
textos que serviram de base para várias passagens do livro, cujas fontes podem
ser consultadas nas páginas finais da publicação. Seus relatos, situando o
leitor em diversificados procedimentos que teve de adotar, são entremeados com
as colocações de outros autores e as observações de outras culturas. Relatos,
portanto, que trazem consigo referências científicas, literárias, históricas e
vivências pessoais.
“Olhar
diretamente nos olhos da mortalidade. Para evitar isso, nós escolhemos
continuar vendados, no escuro em relação às realidades da morte.”
Ali, no crematório, ela presenciou a relação
das famílias com os mortos, em diferentes aspectos e modos de tratar o fim da
vida. Lidou com o uso de cadáveres para a ciência de forma ampla, indo de
estudos e dissecação dos corpos para ensino ou pesquisas sobre doenças a teste
de paraquedas. Teve de recolher corpos de todas as idades (de crianças a
idosos) e de qualquer situação financeira em vida (de pobres a ricos), e em
qualquer estado (de cadáveres em decomposição a recém mortos).
A morte iguala a todos nós. Tal frase pode
ser constatada no caso que ela nos conta sobre receber o corpo de dois
suicidas: um era sem-teto e tinha vinte e um anos de idade, o outro era um
executivo de engenharia aeroespacial de quarenta e cinco anos de idade.
Claramente, no crematório, ambos tiveram o mesmo fim. Ambos lançaram-se à morte
pulando da ponte Golden Gate e viraram pó no forno da Westwind. O fim não levou
em consideração a condição financeira.
A narrativa do livro é feita de modo
objetivo, sem “pintar” o fim da vida, ganhando um tom de diário. Em certas
passagens a autora tenta usar o humor para relatar determinadas situações. O
humor pode ser um faca de dois gumes: tornar leve o assunto que causa aversão à
muitas pessoas ou causar incomodo no leitor. E as duas coisas acontecem na
obra.
Caitlin nos mostra ainda a visão sobre a
indústria da morte nos Estados Unidos. Relata o funcionamento do sistema quando
alguém morre e o quanto nós, meros mortais, rechaçamos essa hipótese e, por
vezes, nos vemos impotentes diante dela.
Decerto que foi com a morte que Caitlin
encontrou ou descobriu o valor da vida. Sua intenção era de colocar o assunto
em pauta e de atender a sua necessidade de revelar suas experiências, de falar
com as pessoas de maneira natural sobre o tema para que aceitem a morte, haja
vista que se apregoa que a morte é a única certeza da vida (frase expressa
também na contracapa do livro).
“Nunca
é cedo demais para começar a pensar na própria morte e na morte das pessoas que
você ama.”
“Somos
animais glorificados que comem, cagam e estão fadados a morrer. Não somos nada
mais do que futuros cadáveres” – da contracapa. Confissões do Crematório é
um livro que faz pensar sobre o fim da vida. A finitude do ser humano não é um
devaneio, é real.
Foto: Reprodução |
Sobre a autora
Caitlin Doughty é agente funerária, escritora
e mantém um canal no YouTube onde fala com bom humor sobre a morte as práticas
da indústria funerária. É criadora da websérie Ask a Mortician, fundadora do
grupo The Order of the Good Death (que une profissionais acadêmicos e artistas
para falar sobre a mortalidade) e autora de Confissões do Crematório.
Ficha
Técnica
Título: Confissões do
Crematório
Escritor: Caitlin
Doughty
Editora: DarkSide
Books
Edição: 1ª
ISBN: 978-85-9454-000-3
Número
de Páginas:
256
Ano: 2016
Assunto: Agentes funerários
É um livro que nos faz refletir muito e também mexe com as pessoas. Pensar na morte nem sempre é agradável. A lembrança de que a qualquer momento vai chegar ao fim. Estou bem ansioso para que a DarkSide publique o próximo livro dela no Brasil. Espero que role! Será sobre como algumas culturas lidam com a morte.
ResponderExcluirAbraço
Blog do Ben Oliveira