A Hora da Estrela, de
Clarice Lispector, teve sua publicação original em 1977 por meio da Editora
José Olympio. A edição lida é datada de 1998, publicada pela Editora Rocco (87
páginas). O referido livro foi o último publicado por Clarice Lispector, que
veio a ser internada pouco depois da primeira publicação da obra, falecendo em dezembro
do mesmo ano.
Rodrigo S. M. é o personagem
que narra o livro. Ele, segundo sua narrativa, é um dos mais importantes
personagens da obra. O que se demonstra pela maneira com que conduz o leitor ao
longo de toda a jornada dos demais personagens, se fazendo presente nos
comentários, nas informações que passa ao leitor e nas interferências que faz
na trama. Ele se sobrepõe em relação aos personagens que são citados em sua
história.
O narrador nos relata a vida
de uma mulher nordestina, nascida em Alagoas, datilógrafa, que paira na vida do
narrador. Ele então decide nos contar a realidade vivida por ela. O personagem
faz ainda relatos sobre as possibilidades e motivos que o levam a escrever
sobre essa mulher e também sobre o próprio ato de escrever.
A personagem na qual ele
foca sua contação de história é órfã e fora criada pela tia, que a castigava
(ainda que, como menina, não soubesse as razões dos castigos que sofria). Essa
tia também morre, como os pais. A menina não ia a igreja, pois não sentia
necessidade e as divindades não lhe tocavam. Vivera uma infância dura, e porque
não dizer, que era mesmo miserável?!
Tal personagem emana de seu
escritor. Ela pede pela vida que ele narra, pelas características que ele cria,
pelos acontecimentos que conta ao leitor. Ela pinta as unhas e as rói, gosta de
refrigerante de cola, de uma marca conhecida mundialmente, cursou datilografia,
trabalha num escritório do qual quase foi demitida pelos erros de ortografia e
gramática e, pelas folhas engorduradas que deixou.
Macabéa, esse é o nome da
protagonista, que já virou inclusive personagem de filme, que levou o mesmo
nome do livro de Clarice Lispector. Macabéa, após a morte da tia, vai morar no
Rio de Janeiro. Na chuva ela conhece seu namorado, também nordestino, Olímpico
de Jesus Moreira Chaves, chamado de Olímpico de Jesus. Um homem que fora para o
Rio de Janeiro após ter matado outro homem no Nordeste.
Sobre seu nome sonoro e não
usual, a personagem fala: “_Eu também
acho esquisito, mas minha mãe botou ele por promessa a Nossa Senhora da Boa
Morte se eu vingasse, até um ano de idade eu não era chamada porque não tinha
nome, eu preferia continuar a nunca ser chamada em vez de ter um nome que
ninguém tem mas parece que deu certo (...) pois como o senhor vê eu vinguei...”
Macabéa é uma mulher que
esquece de si mesma, não tem consciência de sua existência, chega mesmo a ser
apática em sua forma singela de existir. Ignorante por não conhecer muito ou
quase nada, sempre pergunta ao namorado José Olímpico o que ouve e vê e que desconhece.
Enquanto narra a história, o autor criado por Clarice Lispector, faz colocações
sobre si e sua personagem. As observações dele são feitas no meio da narrativa,
evocando o leitor e chamando-lhe a atenção. A simplicidade de Macabéa é o que a
torna bela. A sua fraqueza a torna forte aos olhos do leitor.
O narrador
conversa com o leitor ao mesmo tempo que conta a história dos personagens que
criou e nos revela ainda que Olímpico não demonstra satisfação em namorar com
Macabéa, o que se nota claramente quando o metalúrgico conhece Glória, que é
amiga de Macabéa. Ele vê em Glória o objeto a ser desejado, um objeto de
qualidade. Sim, é desse modo que ele enxerga a mulher, como um objeto para
depositar seus desejos. Macabéa descobre-se doente, mas não toma medidas para
que a doença que a acomete seja tratada.
Desesperada com tudo que tem
vivido e por sugestão de Glória, Macabéa procura uma cartomante chamada Carlota
que ela terá um futuro luminoso, bem diferente do que ela de fato encontrará
pela frente.
“...
sua vida era uma longa meditação sobre o nada. Só que precisava de outros para
crer em si mesma, senão se perderia nos sucessivos e redondos vácuos que havia
nela.”
A Hora da Estrela é um livro
sobre pessoas que vivem desamparadas. Macabéa é assim. A obra retrata uma pessoa solitária, sem
perspectiva de vida, cujo desamparo se faz presente em todos os sentidos. Uma
mulher que parece adormecida diante de tantos impactos que sente em sua vida,
desde a infância que vivera, reforçada pela perda dos pais, ratificadas pelos
castigos sofridos que eram provocados pela tia e, por tudo mais que vai se
desenrolando quando ela vai para o Rio de Janeiro.
Intrigante o autor fictício
criado por Clarice Lispector. Ele parece, por vezes, ser a própria Clarice, se
manifestando para seus leitores. Pela voz do narrador fala Clarice, que traz em
suas observações o olhar aguçado de quem quer burilar o seu texto, mas que
também discute aqueles que pretensamente acreditam ter um estilo original.
Segundo a nota prévia do
livro esta edição da Rocco tentou ser a mais fiel possível da edição original.
A Hora da Estrela é um livro
singelo, com uma história simples, poucas páginas, mas cheia de contextos e
recursos metalingüísticos, e com um belo texto, característica inerente à
Clarice Lispector.
Foto: Reprodução |
Sobre
a autora
Clarice Lispector nasceu eu
Tchetchelnik, pequena cidade da Ucrânia, e chegou ao Brasil aos dois meses de
idade, naturalizando-se brasileira posteriormente. Criou-se em Maceió e Recife,
transferindo-se aos doze anos para o Rio de Janeiro, onde se formou em Direito,
trabalhou como jornalista e iniciou sua carreira literária. Viveu muitos anos
no exterior, em função do casamento com um diplomata brasileiro. Teve dois
filhos e faleceu em dezembro de 1977, no Rio de Janeiro.
Ficha
Técnica
Título: A Hora da Estrela
Escritor: Clarice Lispector
Editora: Rocco
Edição: 1ª
ISBN: 978-85-325-0812-X
Número
de Páginas:
87
Ano: 1998
Assunto: Novela brasileira
Comprei este livro há alguns meses, comecei a ler Clarice há relativamente pouco tempo e estou a gostar muito. Muitos narradores desamparados. Adoro autores brasileiros!
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