“Para
sossegar a caçula, a senha era ‘dá uma mamadeira e liga o rádio’. Entre um
reclame do Biotônico Fontoura e uma capítulo da novela, meu direito de nascer
como baby boomer paulistana foi regado a Carmen Miranda, Emilinha Borba, Nelson
Gonçalves, Doris Day, Fred Astaire e Mario Lanza. Dizem que eu era feliz e
sabia, uma infanta normal que passava o dia na minha bem-aventurada
insignificância, dentro de uma sagrada família onde eu, por tabela, viajava na
modernidade das cinco mulheres geniais que me cercavam...” É
assim que começa Rita Lee – Uma Autobiografia, publicado pela Globo Livros em
2016.
A infância. Oh, gloriosa
infância. Começamos a autobiografia pela infância da artista, como é de se
esperar. Rita Lee nos apresenta os componentes de sua família (pai, mãe, irmãs,
sua fada madrinha). Sabemos da história de seus antepassados e de aventuras
Rita aprontava sozinha ou acompanhada do harém (como ela chama as irmãs, numa
alusão ao fato de que seu pai era o único homem da casa). E que infância cheia
de travessuras! Já estava ali, ainda pequena, a essência da artista. E ela revela:
“Confesso que acho Rita um nome meio
‘sorridente’ demais”.
E se o nome é sorridente, ao
ler a autobiografia, o leitor certamente vai acreditar que de fato é um nome
que expressa sorriso e que a dona dele condiz com o que afirma.
As histórias no colégio, em casa,
nas cercanias onde morava. Adentramos o primeiro contato de Rita com a música e
passaremos pela fase adolescente. Os temidos adolescentes, que fomos ou somos
ou seremos todos (ou quase todos). E a própria Rita disse que sua adolescência “prometia aventuras ainda mais fortes do que
a infância”. O primeiro emprego foi
como recepcionista num escritório, mas durou muito pouco tempo, muito pouco
tempo mesmo.
A formação do grupo musical
que depois virou Os Mutantes;
importante etapa da carreira da cantora e a curiosidade sobre o nome adotado
por eles, as participações em programas de televisão e festivais também estão
descritas por Rita Lee. E vários são os artistas citados, que com eles
conviveram, com ela tiveram alguma aventura ou desventura. Sobre os festivais
em que participaram, a cantora diz que “ser
vaiado em festival de música brasileira para os Mutantes foi uma honra, afinal,
éramos o que os puristas escravocratas do violão e banquinho da MPB repudiavam
como imperialismo colonizador”.
A cantora fala também de
Danny. Quem é ela? A “cachorra-filha-bes
friend” que a recebia com demonstrações de amor incondicional.
Nem mesmo algumas situações
de fracasso e percalços escapam da lembrança de Rita, que fala deles com
naturalidade e plena ciência, como quando menciona que teve “um disquinho pra lá de malfeito”. A
fina ironia da “autobriografada” se faz presente no relato sobre sua prisão,
que serviu de inspiração para uma roupa em preto e branco utilizada num show
que realizou após sair do presídio. Mas expressa-se não somente nessa passagem
do livro, mas em vários outros momentos tornando a narrativa divertida.
Rita Lee não posa de boa
moça, vez que conta suas experiências com as drogas numa boa, de forma clara,
como deve ser. A cantora fala abertamente sobre vários assuntos. Inclui-se aqui
seu traquejo com a bebida. E, para quem não sabe, ela foi também autora de
livro infantil. Mais uma quebra de paradigmas em sua rica carreira/vida. Ninguém
espera que uma roqueira vá se dedicar a escrever livro infantil, mas não se
pode esquecer que Rita também é mãe. A roqueira encantou crianças e provocou
adultos que se aventuraram por sua produção literária.
Ler uma autobiografia, às
vezes, pode causar no leitor a sensação de que tudo que está ali descrito está
sendo burilado pelo autor. Faz com que pensemos que, com esmero, o autor tenta
conduzir o leitor para que só apareça coisas boas, positivas ou que não
denigram sua imagem (de acordo com a interpretação do próprio autobiografado).
No caso de Rita Lee, apesar de não conhecê-la pessoalmente, é possível sentir o
relato dos fatos com franqueza. Ela não esconde o que, decerto, muitos
esconderiam (ainda que fossem assuntos de conhecimento público).
É um ótimo livro de uma
grande artista. Rita Lee consegue falar de si mesma e contar fatos com humor,
clareza e emoção. Menciono o humor, porque ela o tem e algumas vezes, durante a leitura, me peguei rindo com
alguma passagem contada por ela, muitas vezes instigado pela maneira como
escreve.
Rita também está
transparente em suas músicas (prestem atenção nas letras quando ouvi-las) e a
autobiografia cumpre seu papel. E, no final do livro, ela disponibiliza aos
leitores a sua discografia.
A história de Rita é contada
por quem vive sem medo. É a artista que se mistura com a mulher, esposa, filha,
irmã e mãe, porque afinal trata-se da mesma pessoa. E Rita não usa da pretensão
de querer separar a artista da própria Rita. Ela é camaleoa que se transforma
em razão de si mesma.
Por esse livro vi em Rita
Lee, além de uma grande artista, uma verdadeira contadora de histórias.
Foto: Guilherme Samora |
Sobre
a autora
Ler o livro é uma boa forma
de conhecê-la.
Ficha
Técnica
Título: Rita Lee Uma
Autobiografia
Escritor: Rita Lee
Editora: Globo Livros
Edição: 1ª
ISBN: 978-85-250-6330-4
Número
de Páginas:
334
Ano: 2016
Assunto: Autobiografia
Passei a olhar mais para a Rita Lee em 1995, num momento muito importante da minha vida e ouvir suas músicas me fez muito bem, me deu forças. Ela é uma mulher forte e gosto de mulheres com essa personalidade.
ResponderExcluirVou ler esse livro muito em breve.