As Altas Montanhas de
Portugal, é o novo livro de Yann Martel, depois de mais
de quinze anos do lançamento de seu grande sucesso: As Aventuras de Pi. O livro
foi publicado pela Editora Tordesilhas em 2017 com tradução de Marcelo Pen.
Sem Casa é a primeira
história do livro. No ano de 1904, em Lisboa, Tomás passou por uma tragédia
familiar. Para não afundar com a morte da esposa, do filho e do pai ele se
dedica a estudar um diário que pertenceu ao Padre Ulisses. É nesse diário que
toma conhecimento sobre uma relíquia que ao que se diz deve ser um crucifixo.
Esse artefato pode abalar a igreja católica. Tomás sai em busca desse objeto
nas Altas Montanhas de Portugal.
Revela o trecho do livro: “Se o objeto criado pelo padre Ulisses era o
que Tomás havia inferido a partir das garatujas delirantes do pároco, então se
tratava de uma artefato admirável e extraordinário. Poria o cristianismo de
cabeça para baixo. Cumpriria sua vingança.”
Para que ele faça sua expedição,
toma emprestado do seu tio um automóvel, que não era comum naquela época. Dessa
forma, é usando o veículo que faz um longo trajeto. Muitas são as desventuras
que ele enfrenta. As vivências que o personagem tem com o veículo tomam boa
parte da primeira história do livro e apontam a relação do homem com a máquina.
Para Casa é o nome da
segunda parte da publicação. Aqui o leitor acompanha uma história passada em 1938.
Eusébio Lozora e Maria Luísa dividem o protagonismo com uma senhora de cerca de
oitenta anos. Ele é médico patologista e está em pleno plantão na vida do ano
de 1938 para 1939. Recebe a visita de sua esposa, uma mulher religiosa, e ganha
dela um livro de Agatha Christie, a autora que ambos admiram. Maria Luísa fala
da bíblia para o marido. Ela, falante como é, derrama uma enxurrada de
interpretações que fez das coisas que leu.
“Por
que a Verdade emprega os instrumentos da ficção? As histórias cheias de
metáforas são para escritores que tocam a linguagem como um bandolim para nos
divertir, romancistas, poetas e dramaturgos e outros artistas da imaginação.” Esse
trecho reflete bem o livro de Yann Martel.
Admiradora dos romances
policiais da escritora inglesa ela faz uma relação de passagens bíblicas sobre
a vida de Jesus com os livros policiais de Agatha Christie. A personagem vê que
há correspondência, congruência, adesão e equivalência nos romances e no
evangelho. De certo que os fãs de Agatha vão se encantar com essa etapa do
livro.
“O
triste fato é que não há mortes naturais, a despeito do que dizem os médicos.
Toda morte é sentida por alguém como se fosse um assassinato, como o roubo
injusto de um entre querido. E mesmo o mais afortunado entre nós se depara ao
menos com um assassinato em sua vida: o próprio. É nosso destino. Todos
vivermos um romance policial no qual somos a vítima.”
Após a saída de sua esposa,
Eusébio recebe outra mulher de nome Maria, Maria das Dores. Esta é uma viúva
que quer assistir a autópsia de seu amado Rafael. Ela conta a ele histórias
sobre sua vida e sobre a perda de um filho quando tinha cinco anos de idade. Surpresas
nessa etapa da história virão para o leitor, como nos romances policiais dos
quais os personagens admiram. Invertendo a lógica, a mulher deseja uma autópsia
não para descobrir a causa da morte, mas para descobrir a causa da vida.
Chegará o leitor então a
terceira etapa do livro, que chama-se Em Casa. Aqui o leitor é levado até o ano
de 1981. Peter Tony é senador no Canadá. A esposa do protagonista morre e ele
enfrenta o rompimento da relação com o filho. Numa viagem, visita um centro que
estuda primatas e fica encantado com Odo, um chimpanzé. Adquiri-o e resolve
levá-lo dos Estados Unidos para as Altas Montanhas de Portugal, onde nasceu e
onde quer viver uma vida tranqüila, ao contrário da agitada vida na política.
“Os
aldeões sorriem e gargalham. O macaco estrangeiro é engraçado. Peter está
satisfeito. Odo os está conquistando.”
Ele vive uma bela aventura
com o seu chimpanzé. Passam os dois a viver no vilarejo em que Peter nasceu e
constroem uma relação de afeto.
As três história contadas
por Yann Martel revelam personagens que tiveram perdas. Todos encararam de uma
forma ou de outra a morte de entres queridos. Com tragédia e humor o autor
constrói narrativas que também falam sobre fé. As jornadas que os personagens
se lançam nas três etapas revelam suas vidas e a forma particular que cada um
encontrou de tentar superar as dores que os afligem. Todos buscam um sentido
para sua vida. Ainda que haja perdas é preciso continuar. E não podemos deixar
de falar sobre a construção dessas figuras. Eles são personagens peculiares que
tocarão o leitor de diferentes formas.
Se bem observarmos, em cada
uma das etapas o personagem constrói uma nova relação. Primeiro com a máquina,
quando o veículo é utilizado para sua jornada e muito da narrativa conta sobre
como o homem está lidando com esse novo utilitário. O homem tem novas
descobertas com tal invento. Na segunda temos uma relação que se constrói com o
desconhecido, com a mente, com o intangível. Desde a etapa em que há comparação
de histórias religiosas com histórias ficcionais até o próprio mote em que o
desejo precípuo da personagem é saber qual a razão da vida do marido morto,
transportado numa mala. Na terceira temos a relação do homem com o animal. A
observação que as pessoas do vilarejo fazem sobre os hábitos e a forma daquele
chimpanzé possibilitam que eles quebrem alguns conceitos e vejam uma forma
singela de se relacionar.
Yann Martel nos dá fantasia,
imaginação, criatividade, fortes sentimentos expressos em suas fábulas. As
histórias se fundem, é preciso dizer. Embora pareçam independentes o leitor
verificará que há elementos que as unem tornando assim uma única e maior
narrativa que surpreende o leitor pela maneira bem engendrada que o escritor
usou em uma poderosa história de realismo fantástico que se passa ao longo de 77
anos. É uma escrita agradável de ler, uma trama encantadora e cheia de
surpresas, enfim um ótimo livro.
O autor nos conduz
positivamente com a forma como foi capaz de juntar coisas aparentemente tão
desconexas. Coisa digna de grandes escritores. E há metáforas e lições que são
deixadas para a reflexão do leitor. É fascinante!
Foto: Reprodução |
Sobre
o autor
Yann Martel nasceu na
Espanha, quando seus pais canadenses estudavam na graduação. Ficou mundialmente
conhecido pelo romance As Aventuras de Pi, que foi publicado em mais de cinqüenta
países, vendeu mais de doze milhões de cópias e passou mais de um ano em listas
de mais vendidos como a do New York Times. Martel já recebeu inúmeros prêmios
literários, incluindo o Hugh MacLennan Prize for Fiction (2001) e Asian/Pacific
American Award for Literature (2002).
Ficha
Técnica
Título: As Altas Montanhas
de Portugal
Escritor: Yann Martel
Editora: Tordesilhas
Edição: 1ª
ISBN: 978-85-8419-054-6
Número
de Páginas:
311
Ano: 2017
Assunto: Romance canadense
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