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22 junho 2017

As Altas Montanhas de Portugal – Yann Martel



As Altas Montanhas de Portugal, é o novo livro de Yann Martel, depois de mais de quinze anos do lançamento de seu grande sucesso: As Aventuras de Pi. O livro foi publicado pela Editora Tordesilhas em 2017 com tradução de Marcelo Pen.

Sem Casa é a primeira história do livro. No ano de 1904, em Lisboa, Tomás passou por uma tragédia familiar. Para não afundar com a morte da esposa, do filho e do pai ele se dedica a estudar um diário que pertenceu ao Padre Ulisses. É nesse diário que toma conhecimento sobre uma relíquia que ao que se diz deve ser um crucifixo. Esse artefato pode abalar a igreja católica. Tomás sai em busca desse objeto nas Altas Montanhas de Portugal.

Revela o trecho do livro: “Se o objeto criado pelo padre Ulisses era o que Tomás havia inferido a partir das garatujas delirantes do pároco, então se tratava de uma artefato admirável e extraordinário. Poria o cristianismo de cabeça para baixo. Cumpriria sua vingança.”

Para que ele faça sua expedição, toma emprestado do seu tio um automóvel, que não era comum naquela época. Dessa forma, é usando o veículo que faz um longo trajeto. Muitas são as desventuras que ele enfrenta. As vivências que o personagem tem com o veículo tomam boa parte da primeira história do livro e apontam a relação do homem com a máquina.

Para Casa é o nome da segunda parte da publicação. Aqui o leitor acompanha uma história passada em 1938. Eusébio Lozora e Maria Luísa dividem o protagonismo com uma senhora de cerca de oitenta anos. Ele é médico patologista e está em pleno plantão na vida do ano de 1938 para 1939. Recebe a visita de sua esposa, uma mulher religiosa, e ganha dela um livro de Agatha Christie, a autora que ambos admiram. Maria Luísa fala da bíblia para o marido. Ela, falante como é, derrama uma enxurrada de interpretações que fez das coisas que leu. 

“Por que a Verdade emprega os instrumentos da ficção? As histórias cheias de metáforas são para escritores que tocam a linguagem como um bandolim para nos divertir, romancistas, poetas e dramaturgos e outros artistas da imaginação.” Esse trecho reflete bem o livro de Yann Martel.

Admiradora dos romances policiais da escritora inglesa ela faz uma relação de passagens bíblicas sobre a vida de Jesus com os livros policiais de Agatha Christie. A personagem vê que há correspondência, congruência, adesão e equivalência nos romances e no evangelho. De certo que os fãs de Agatha vão se encantar com essa etapa do livro.

“O triste fato é que não há mortes naturais, a despeito do que dizem os médicos. Toda morte é sentida por alguém como se fosse um assassinato, como o roubo injusto de um entre querido. E mesmo o mais afortunado entre nós se depara ao menos com um assassinato em sua vida: o próprio. É nosso destino. Todos vivermos um romance policial no qual somos a vítima.”

Após a saída de sua esposa, Eusébio recebe outra mulher de nome Maria, Maria das Dores. Esta é uma viúva que quer assistir a autópsia de seu amado Rafael. Ela conta a ele histórias sobre sua vida e sobre a perda de um filho quando tinha cinco anos de idade. Surpresas nessa etapa da história virão para o leitor, como nos romances policiais dos quais os personagens admiram. Invertendo a lógica, a mulher deseja uma autópsia não para descobrir a causa da morte, mas para descobrir a causa da vida.

Chegará o leitor então a terceira etapa do livro, que chama-se Em Casa. Aqui o leitor é levado até o ano de 1981. Peter Tony é senador no Canadá. A esposa do protagonista morre e ele enfrenta o rompimento da relação com o filho. Numa viagem, visita um centro que estuda primatas e fica encantado com Odo, um chimpanzé. Adquiri-o e resolve levá-lo dos Estados Unidos para as Altas Montanhas de Portugal, onde nasceu e onde quer viver uma vida tranqüila, ao contrário da agitada vida na política.

“Os aldeões sorriem e gargalham. O macaco estrangeiro é engraçado. Peter está satisfeito. Odo os está conquistando.”

Ele vive uma bela aventura com o seu chimpanzé. Passam os dois a viver no vilarejo em que Peter nasceu e constroem uma relação de afeto. 

As três história contadas por Yann Martel revelam personagens que tiveram perdas. Todos encararam de uma forma ou de outra a morte de entres queridos. Com tragédia e humor o autor constrói narrativas que também falam sobre fé. As jornadas que os personagens se lançam nas três etapas revelam suas vidas e a forma particular que cada um encontrou de tentar superar as dores que os afligem. Todos buscam um sentido para sua vida. Ainda que haja perdas é preciso continuar. E não podemos deixar de falar sobre a construção dessas figuras. Eles são personagens peculiares que tocarão o leitor de diferentes formas.

Se bem observarmos, em cada uma das etapas o personagem constrói uma nova relação. Primeiro com a máquina, quando o veículo é utilizado para sua jornada e muito da narrativa conta sobre como o homem está lidando com esse novo utilitário. O homem tem novas descobertas com tal invento. Na segunda temos uma relação que se constrói com o desconhecido, com a mente, com o intangível. Desde a etapa em que há comparação de histórias religiosas com histórias ficcionais até o próprio mote em que o desejo precípuo da personagem é saber qual a razão da vida do marido morto, transportado numa mala. Na terceira temos a relação do homem com o animal. A observação que as pessoas do vilarejo fazem sobre os hábitos e a forma daquele chimpanzé possibilitam que eles quebrem alguns conceitos e vejam uma forma singela de se relacionar.

Yann Martel nos dá fantasia, imaginação, criatividade, fortes sentimentos expressos em suas fábulas. As histórias se fundem, é preciso dizer. Embora pareçam independentes o leitor verificará que há elementos que as unem tornando assim uma única e maior narrativa que surpreende o leitor pela maneira bem engendrada que o escritor usou em uma poderosa história de realismo fantástico que se passa ao longo de 77 anos. É uma escrita agradável de ler, uma trama encantadora e cheia de surpresas, enfim um ótimo livro. 

O autor nos conduz positivamente com a forma como foi capaz de juntar coisas aparentemente tão desconexas. Coisa digna de grandes escritores. E há metáforas e lições que são deixadas para a reflexão do leitor. É fascinante!

Foto: Reprodução
Sobre o autor

Yann Martel nasceu na Espanha, quando seus pais canadenses estudavam na graduação. Ficou mundialmente conhecido pelo romance As Aventuras de Pi, que foi publicado em mais de cinqüenta países, vendeu mais de doze milhões de cópias e passou mais de um ano em listas de mais vendidos como a do New York Times. Martel já recebeu inúmeros prêmios literários, incluindo o Hugh MacLennan Prize for Fiction (2001) e Asian/Pacific American Award for Literature (2002).

Ficha Técnica

Título: As Altas Montanhas de Portugal
Escritor: Yann Martel
Editora: Tordesilhas
Edição: 1ª
ISBN: 978-85-8419-054-6
Número de Páginas: 311
Ano: 2017
Assunto: Romance canadense

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