“A
busca é sempre um mistério. No seu cerne repousa a insígnia da insegurança e da
incerteza, nunca sabemos se aquilo que queremos será conquistado no decorrer de
nossas vidas.”
Poesia e sexo podem fazer
com que ela se sinta viva. Depois de uma perda, a perda de um amor, ela busca
se conectar com o seu eu, com a sua essência, com a sua forma de expressar-se
pelos poemas. O prazer está no centro dos dois modos que a salvam, ou melhor,
que resgatam aquela mulher, a personagem central do livro.
A poesia, depois da morte de
seu amado, havia se distanciado. O prazer pelo sexo, pela junção dos corpos,
fazia-a reencontrar a profunda vontade de escrever. Um ciclo que para ela
pode-se dizer virtuoso. Hedonê, esse era o nome com que se apresentava, antes
de lançar-se ao lascivo encontro de peles. Hedonê, “a personificação do prazer e da luxúria”. A personagem é, ainda,
uma mulher que se lança ao gozo, mas que carrega a melancolia e se compraz com
sua reflexão, com a introspecção que surge a partir dos seus atos.
“A
poesia deveria vir até mim, como num ímpeto. Devir vir inominada, como no gozo.
Apenas o estado em que o corpo se concentra em um único sentido, o tato. Mas a
poesia vem até mim dilacerando toda a minha estrutura. Costura-se em minhas
artérias e vaza pelos meus olhos, pela minha boca, pelos meus dedos. Todos os
sentidos se perdem e se reencontram. A poesia me torna, me assalta, antecede o
meu desejo. Eu só tenho desejo no poema.”
Em Hedonê está a dualidade
de sentimentos, de um mesmo e diferente sentimento, do amor que tem pelo amado que
partiu e da aproximação de um novo que chega (Eros), ainda que tal amor pareça
em certo momento ser apenas o do laço carnal. Que seja! Aquele amor que partira
ainda deixa resquícios de uma luta interna que ela trava consigo e que Hedonê
precisa compreender para se refazer e seguir adiante.
“O
erro do homem é tentar sobreviver às suas dores, quando na verdade o seu dever
é viver.”
A sua luta íntima é a luta
de quem contesta em ter que seguir tudo que há de pré-concebido na sociedade.
Hedonê se entregará efetivamente a um novo amor? Conseguirá superar a dor que
ressoa em seu coração? O novo que desperta a poesia é o novo que desperta o
sentimento mais profundo?
O livro apresenta as inquietações
narradas em primeira pessoa, portanto pela própria voz de Hedonê, que
poeticamente se revela ao leitor. Não, não é um livro de poesias, mas na prosa
do autor há lirismo. A personagem se entrega sem amarras, sem medo de deixar
revelar o que poderia ser camuflado. Esse é o modo que ela encontra de curar o
sofrimento, o arrombo deixado por quem partiu, de se desvencilhar dos
impeditivos que os outros podem querer imputar a ela, ainda que haja a reflexão
sobre os atos.
“Andei
naquele dia pelas ruas da cidade, feliz, arrependida e incompreendida por mim
mesmo. Uma grande tempestade nascia na minha alma, eu estava chegando perto da
minha própria completude, mas a minha culpa insinuava a minha falha, e eu não
sabia o que fazer.”
A poesia a que me refiro e
que está presente no texto revela a forma com que a personagem lida com seus
sentimentos e que se reveste em suas poesias. Há ainda citações a Hilda Hilst e
Lya Luft, mulheres que tem poemas com carga de voz feminina, como Hedonê. E
também são citados outros grandes autores, como Charles Baudelaire e Carlos
Drummond de Andrade.
O jardim é para a poetisa o
seu calabouço. Nele ela “derrama” e “enterra” suas dores, de modo físico ou
metafórico. Através do jardim ela se separa de tudo que a poderia prender e
deixa de lado a dor. E ao abandonar a dor faz com que haja abertura de espaço
para o novo, para a renovação que ela tanto busca. O relato que ela faz ao
leitor é ainda a sua libertação dos incômodos que a cercam.
O autor construiu uma bela
personagem e uma rica história. Hedonê consegue se revelar em sentimentos que
estão no recôndito de seu coração, mas ainda assim se mantém misteriosa, posto
que não revela seu nome real.
Epícuro em Meu Jardim, de
Marcos Welinton Freitas, foi publicado pela Editora Multifoco em 2016 (108
páginas) e é um livro que traz o prazer para a cena, não é a toa que a
personagem que narra chama-se Hedonê e que suas revelações ao leitor incluem o
erotismo. É um livro que também pode ser sentido, encarado com despudor e
trazer reflexões sobre o eu de cada um. O desejo e o mistério residem nessa
mulher que convida o leitor a desnudar suas aventuras em busca dos corpos, do
prazer e do afastamento da dor da perda do seu amor e da sua poesia, num
reencontro que ela faz consigo.
De um lado o nome Epicuro
evoca a procura dos prazeres para atingir tranquilidade e libertação do medo.
Há que se observar, contudo, que o prazer exacerbado pode ser também a origem
de perturbações, o que levaria à dificuldade de encontrar a felicidade em
manter corpo e serenidade do espírito. Hedonê pode ser identificada como a
deusa do prazer. Eros, na mitologia grega, é o deus do amor. Os nomes dos
personagens e do título do livro alude claramente ao centro de sua construção,
o prazer.
Sendo assim, não há como não
dizer para o leitor se entregar a leitura e a jornada da narradora. Lance-se ao
prazer. Ao prazer da leitura, ao prazer do belo texto do autor, ao prazer
provocado pela personagem.
Foto: Reprodução |
Sobre
o autor
Marcos Welinton Freitas é baiano de
Bravo/Serra Preta. Escritor, poeta e contista é graduando em Economia pela
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Participou da antologia de
contos eróticos Ponto G (Multifoco – 2013), publicou o livro Poesia Proibida
(Multifoco – 2012) e Badalos do Século XXI (Editora Penalux – 2013). Tem
participação na revista online Mallamargens, 2014. Apaixonado por Clarice
Lispector e Virgínia Wolf, Marcos mantém um extenso diálogo com as obras das
autoras e sua paixão pela sondagem psicológica.
Ficha
Técnica
Título: Epícuro em Meu
Jardim
Escritor: Marcos Welinton Freitas
Editora: Multifoco
Edição: 1ª
ISBN: 978-85-9612-061-7
Número
de Páginas:
108
Ano: 2016
Assunto: Literatura
brasileira
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