“...
as vítimas eram sempre jovens de 14 a 16 anos, e os executores dos furtos
também tinham a mesma idade, a única diferença entre os jovens que roubavam e
os roubados é o muro social que divide o país.”
O livro conta a história dos
personagens Lúcio Ré, Aninha, Celso Capeta, Régis e Neguinho da Mancha na Mão.
Moradores da periferia paulistana, vivem os percalços da condição social que
tem, que resvalam em seus familiares e em todos a sua volta, que vivem nas
mesmas condições. Além disso, eles sabem e sentem o abismo que os separada
daqueles que tem melhores condições de vida.
De certo modo, o que move
tais personagens em suas ações é o ódio que sentem por viver nesse mundo
distanciado, renegados e colocados à margem. A forma que eles usam para
demonstrar o que passam e em busca de uma nova vida é por meio de prática de
ações delituosas. Assim é o ambiente em que os personagens vivem. O crime os
ronda, sem pudor.
A violência, a ganância, a
desconfiança, a ameaça, estão presentes na narrativa criada por Ferréz. Os
personagens, singulares em sua constituição, mas iguais em suas ações,
expressam a disseminação do ódio pela formação do ambiente. O ódio que se
revela como algo maior, quase um protesto pela situação financeira e toda as
questões sociais que os afligem. Assassinato, roubo, tráfico de drogas,
sequestro... a realidade de muitas periferias pelo Brasil afora.
“...
estava contaminado pelo ódio, imaginava suas mãos com sangue...”
Não só o ódio expressado
contra a sociedade e, sobretudo, contra a camada detentora de maior renda os
toma. O ódio também acaba por ser dissipado para ocupar espaço, o que cria uma
guerra entre alguns moradores do local. Cada um quer manter o seu espaço, sem
ser invadido por quem é tido como inimigo.
Logicamente, que os personagens
acabam ainda por aguentar as consequências de suas ações.
Os capítulos do livro vão
apresentando partes da história de cada um deles (Lúcio Ré, Aninha, Celso
Capeta, Régis e Neguinho Mancha na Mão). A vida deles se cruzam em dado
momento. Régis é o personagem que
acaba roubando (sem trocadilho) a cena e cresce na medida em que leitura avança
e que seu antagonismo com Modelo vai ganhando mais destaque na trama. A rivalidade
dos dois revela mais de Régis e rende boas ações no livro.
Vale dizer que a escrita de
Ferréz é coloquial, posto que é representante da literatura marginal. A
literatura que expõe e passa para os livros a realidade das periferias e de
pessoas que vivem à margem da sociedade. Alguns leitores podem achar o livro
coloquial demais, dado o uso exacerbado de gírias. Mas esse aspecto, não se
pode negar, é a transcrição da realidade que se ouve de jovens (homens e
mulheres) na periferia. Ferréz demonstra muito bem isso. A fala está bem
representada.
A estrutura dos capítulos
pode confundir um pouco no início da leitura, mas é completamente factual que
dá para absorver a história e seu conteúdo, além de compreender a ligação entre
os episódios narrados.
É o terceiro livro que leio
de Ferréz e vejo em seus textos uma provocação necessária. O autor sabe
traduzir, ou melhor, representar muito bem a dura e cruel realidade das ruas,
de quem vive na periferia. A imagem, por vezes, pode causar desconforto em
quem, distante, insiste em negar a realidade. O escritor descreve o ambiente
violento sob o ponto de vista de seus personagens, que se expressam em seus
pensamentos e ações de uma maneira bastante contundente. O fato de ser uma
história de dissipação do ódio de quem se sente oprimido, não significa que
compactua com tal situação, mas que compreende aquele viés.
“...
tudo que causa prazer também causa dor, e o mais estranho disso tudo é que o
ser humano só se igual de verdade na dor e no prazer, no resto só difere.”
Como diz a contracapa da
edição publicada pela Editora Planeta em 2014: “Manual prático do ódio é um livro que pulsa como a quebrada das vielas
da periferia.”
Foto: Reprodução |
Sobre
o autor
Antes de se dedicar
exclusivamente à escrita, Ferréz trabalhou como balconista, auxiliar-geral e
arquivista. Seu primeiro livro, Fortaleza da Desilusão, foi lançado em 1997.
Foi com Capão Pecado (2000) que se firmou como um dos melhores escritores de
sua geração. Depois de ter lançado o romance Manual Prático do Ódio, escreveu
os livros infantis Amanhecer Esmeralda e O Pote Mágico. Em 2005 publicou o
livro de contos Ninguém é Inocente em São Paulo e Cronista de Um Tempo Ruim, e
em 2012 lançou o romance Deus Foi Almoçar. Suas obras foram publicadas na
Espanha, França, Itália, Argentina, México, Portugal, Alemanha, Inglaterra e
Estados Unidos. Ligado ao movimento hip hop, fundou o sele Literatura Marginal
e a 1DASUL, marca de roupas produzidas no bairro onde vive, além da ONG
Interferência, que atua no Capão Redondo. Escreveu para o filme Bróders e os
seriados Cidade dos Homens (Globo) e 9MM (Fox). Atua ainda como conselheiro
editorial do Le Monde Diplomatique Brasil e tem um blog sobre militância e
cultura da periferia.
Ficha Técnica
Título: Manual Prático do
Ódio
Escritor: Ferréz
Editora: Planeta
Edição: 1ª
ISBN: 978-85-422-0254-0
Número
de Páginas:
272
Ano: 2014
Assunto: Ficção brasileira
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe aqui seu comentário.