No livro " Clarice Lispector - Todos os contos", temos sua obra como contista agrupada num volume único,
publicado pela Editora Rocco em 2016. O prefácio e a organização do livro ficam
a cargo de Benjamin Moser. Da primeira vez que li sobre o livro, logo deu-me a
inquietação de lê-lo para tomar ainda mais contato com a obra dessa consagrada
escritora.
Clarice
Lispector tem certa estranheza em sua figura, como ela mesma, certa vez,
relatou em entrevista. E seu modo de escrever é certeiro, profundo, em que
metáforas, poesia, prosa, realidade e magia se misturam. Talvez seja a
estranheza de Clarice, uma bruxa das palavras, por assim dizer, que a faça
diferente de outros tantos contistas. A escrita fina, ora complexa, ora
colocada explicitamente dizendo ao que veio, aguça. Clarice sabe ir fundo em
questões que poderiam ser tratadas de maneira rasa. Como exemplo, podemos citar
que de um ovo consegue construir um belo texto.
Através
de seus contos ela nos traz a história de uma galinha, de famílias, de
encontros, de descobertas, de inquietações, de angústias e alegrias, de
relações, de primeiro amor, de primeiro desejo, da vida cotidiana que passa
quase despercebida, mas que aos olhos dela não escapa. Seus contos falam de
tudo que cerca o ser humano.
E
como alerta o organizador na abertura do livro: "Cuidado com Clarice. Ela não faz literatura. Ela faz
bruxaria."
Sim, Clarice encanta seus leitores, de várias
idades, em seu tempo e hoje, e certamente encantará novos leitores no futuro.
Seu primeiro sucesso em 1977 talvez não a colocasse no rol das maiores
escritoras, mas hoje é certo: Clarice Lispector é uma das maiores escritoras
brasileiras, quiçá e por que não do mundo?!
Ler
Clarice Lispector, sobretudo sem que seja pelos aforismos, citações e trechos
que circulam em redes sociais ou pela internet, reduto que ajuda expandir e
criar a vontade de conhecer mais da escritora, é um prazer imenso. É leitura
pra ser apreciada ou degustada como se fosse vinho.
"Como entender-me? Por que de início aquela cega integração? E depois, a quase alegria da libertação? De que matéria sou feita onde se entrelaçam mas não se fundem os elementos e a base de mil outras vidas? Sigo todos os caminhos e nenhum dele é ainda o meu. Fui moldada em tantas estátuas e não me imobilizei..."
O leitor emerge no universo quase paralelo que Clarice tem na rudeza (sim, porque há criticas profundas sobre sentimentos e ações humanas) e na doçura (na leveza de escrever e do olhar aguçado sobre o humano).
"Como entender-me? Por que de início aquela cega integração? E depois, a quase alegria da libertação? De que matéria sou feita onde se entrelaçam mas não se fundem os elementos e a base de mil outras vidas? Sigo todos os caminhos e nenhum dele é ainda o meu. Fui moldada em tantas estátuas e não me imobilizei..."
O leitor emerge no universo quase paralelo que Clarice tem na rudeza (sim, porque há criticas profundas sobre sentimentos e ações humanas) e na doçura (na leveza de escrever e do olhar aguçado sobre o humano).
Até a aquisição de uma macaca, sua
morte e os comentários de um filho são prontamente costurados por Clarice. Seus
personagens tem lutas contra concepções ideológicas, atuam frente a problemas
cotidianos, envolvem-se com bebida, com a loucura ou terminam no suicídio. Tudo
intensamente vivido.
Os
contos carregam metáforas como em "A Procura de Uma Dignidade" em que
ao buscar saída de corredores, em se ver em desespero com seu eu, a personagem
quer encontrar uma saída, uma solução. Uma cidade pode virar um texto loucamente poético e
conter criticas sobre o lugar e sobre si naquele lugar. É enxergar adiante do
que o olho rotineiro enxerga ou quer ver. Os contos vão além do que rasamente
podem parecer numa leitura desatenta. Clarice faz estranhamente tudo magnetizar
o leitor. Seria isso a tal da bruxaria dita no prefácio? Ela, que encanta seus
leitores e que para muitos escreveu a história de suas vidas, mexe
profundamente com quem a lê.
"Cada pessoa é um mundo, cada pessoa tem sua própria chave e a dos outros nada resolve; só se olha para o mundo alheio por distração, por interesse, por qualquer outro sentimento que sobrenada e que não é o vital; o 'mal de muitos' é consolo, mas não é solução."
"Cada pessoa é um mundo, cada pessoa tem sua própria chave e a dos outros nada resolve; só se olha para o mundo alheio por distração, por interesse, por qualquer outro sentimento que sobrenada e que não é o vital; o 'mal de muitos' é consolo, mas não é solução."
A
obra foi inicialmente publicada em inglês nos Estados Unidos e Reino Unido, no
ano de 2015. Naquele ano foi incluído na lista de melhores livros do New York
Times. A obra nos dá a visão conjunta dos 34 anos de atividade da escritora.
Nos contos ela ganhou destaque e os seus são considerados os melhores contos da
literatura brasileira. Todos os contos traz “Primeiras Histórias”, “Laços de Família”, “A Legião Estrangeira”, “Fundo de Gaveta”, “Felicidade
Clandestina”, “Onde estivestes de noite”, “A Via Crucis do Corpo”, “Visão do
Esplendor” e “Últimas Histórias”. Esses são os grandes blocos nos quais os
contos estão agrupados.
O
livro traz um apêndice com texto de Clarice que foi publicado no livro
"A legião estrangeira", em que ela explica o nascimento de
"Laços de família", muito embora ela não fosse dada a comentar
sua escrita e de outros autores. Traz ainda nota bibliográfica, citando sobre a
reunião dos contos e explicitando pontos de cada uma das partes (obras) que
foram reunidas.
Clarice Lispector tem uma relação de grande
interesse pela linguagem. Certa vez escreveu: "Tanto em pintura quanto em literatura, tantas vezes o que chamam
de abstrato me parece apenas o figurativo de uma realidade mais delicada e mais
difícil, menos visível a olho nu." Assim ela "desconstruiu"
reflexos da gramática. E faz um texto que é capaz de envolver quem o lê.
Clarice é simplesmente Clarice.
Leitura
obrigatória. Uma célebre reunião do trabalho grandioso de uma grandiosa
escritora.
Foto: Reprodução |
Sobre a autora
Clarice Lispector foi uma escritora e
jornalista nascida na Ucrânia e naturalizada brasileira. Autora de romances,
contos e ensaios é considerada um das maiores escritoras brasileiras do século
XX. Estudou direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro, mas ingressou
precocemente no mundo da literatura como tradutora, e depois se consagrando
como escritora, contista e ensaísta. Faleceu em 1977, um dia antes de completar
57 anos de idade, em decorrência de um câncer.
Foto: Reprodução |
Sobre o
organizador
Benjamin Moser nasceu em Houston, em 1976.
Moser cursou o ensino médio no Texas e na França, antes de se formar em
licenciatura em História pela Universidade Brown. Obteve seu doutoramento e
mestrado pela Universidade de Utrecht. Fluente em seis idiomas, o autor já
publicou traduções do neerlandês, francês, espanhol e português.
Ficha Técnica
Título: Todos os Contos – Clarice Lispector
Escritor: Benjamin Moser
Editora: Rocco
Edição: 1ª
ISBN: 978-85-325-3024-0
Número
de Páginas:
654
Ano: 2016
Assunto: Conto brasileiro
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