“A Besta Humana”, do
escritor francês Émile Zola, foi publicado pela Editora Zahar em 2014. A edição
é comentada e foi traduzida por Jorge Bastos. A referida publicação, em capa
dura, apresenta ainda ilustrações originais incluídas nos Oueres Complètes
Illustrèes de Émile Zola (Paris, Eugéne Fosquelle, 1906).
A obra de Zola foi
originalmente publicada no século XIX, mais precisamente em 1890. É o décimo
sétimo livro do extenso projeto literário do autor naturalista, em que vinte livros
foram produzidos e lançados no período compreendido entre 1871 e 1893.
Sobre o livro é preciso
dizer que trata-se da história de Jacques Lantier, um maquinista, que é
atormentado pelo desejo de matar as mulheres por quem se sente atraído. Nos
momentos em que é tomado por esse frisson (se é que assim podemos descrever), o
eu do personagem escapa e o faz perder o controle sobre suas próprias ações.
A locomotiva em que ele
refugia-se cruza sempre o trajeto de Paris-Le Havre. É nesse trajeto que ele
vai se deparar com o casal Rouboud e Séverine. Tal encontro movimentará a trama
e a vida dos demais personagens que vão surgindo no livro.
“Em
Paris, no entanto, podia-se imaginar todo tipo de perigo, de esperteza, de
desacerto. Uma onda de sangue subiu-lhe à cabeça, os punhos se cerraram como no
tempo que era trabalhador braçal e empurrava vagões. Voltara a ser o bruto
inconsciente da própria força, seria capaz de triturá-la, num cego impulso de
raiva.”
Jacques tem de lidar com
seus instintos mais bestiais. A besta, de certo modo, habita também nos outros
personagens do livro de Zola, na medida em que vamos conhecendo com
profundidade cada um deles e lendo suas ações. Além do fato de os personagens
serem bem construídos e de toda a questão psicológica que os envolve, o autor
coloca em “A Besta Humana” espantosas descrições sobre trens, estações,
ferrovias e da vida que acontece nas imediações dessas instalações. Espantosa,
porque são descritas com detalhe e esmero pelo autor. Como diz Jorge Bastos na
apresentação do livro intitulada “Só a máquina apazigua (mas não salva)”, “o mundo é visto a partir do trem e o trem é
visto a partir do entorno das vias”.
A locomotiva conduzida por
Jacques chega a ganhar ares de uma personagem importante da trama, posto
inclusive a sua forma de lidar com a máquina, tratando-a como um ser humano. A
forte ligação que o personagem tem com a locomotiva leva ao fato de que ela
ganhe adjetivos como meiga e obediente, além, é claro, de ser de partida rápida
(característica desejada para o lado máquina do trem). A máquina fascina
Jacques e, com ela, ele trava uma relação amorosa, cordial, quase humanizada.
Por outro lado, reside nele a bestialidade que carrega desde a infância. No
entanto, o que parece não poder ser esquecido é que a máquina denominada
Lison, (o nome próprio pela qual é chamada pelo maquinista), por mais perfeita
que seja, precisa e depende da ação de um homem.
O casamento de Rouboud e
Séverine não vai bem e Jacques passa a ser um convidado presente em meio a
jantares e encontros do casal, ficando cada vez mais sozinho com a mulher, que
é descrita como encantadora, requintada e “extremamente
sedutora, com seu olhar azul complacente e submisso”.
Vemos na relação do casal um
distanciamento, uma aflição, e certo peso que é carregado por Rouboud, em
função do passado de Séverine. Eles, juntos, se envolvem num crime e escondem
uma determinada soma. Ele gosta de gastar, de sentir-se livre para fazer o que quer,
ela é mais zelosa com a soma que escondem e os dois temem serem pegos. Com tudo
isso há uma testemunha que os viu cometer o crime e acaba se aproximando deles,
e há outros tantos mistérios que vão contornando a relação e se desvelando ao
longo da história.
O ser humano transformando o
ser humano em coisa, para dar ao primeiro o poder de subjulgar a coisa ou
tratá-la com desdém, com força ou sem o mínimo cuidado. É como se quaisquer
coisas pudessem ser feitas ao outro, justamente por ele se tornar coisa. Aí
está a alienação, a desumanização, a perda de valores que são descritos na
apresentação do livro.
Como dito anteriormente, a
bestialidade se manifesta nos personagens. Ela se manifesta de diferentes
formas. Reside em Séverine que com sua doçura consegue chegar ao ponto da
crueldade que lhe é necessária, reside no descontrole que Jacques tem quando se
apaixona por alguma mulher, reside na frieza de Rouboud de lidar com seus
conflitos.
Não bastasse o livro ter uma
ótima história, que mistura questões
psicológicas com ficção policial, e não bastasse o fato de ser um clássico que
por si só nos chamaria à leitura, o livro tem um final surpreendente.
Vale a pena mencionar que a
edição, em capa dura, ilustrações e comentários, bem como o projeto gráfico da
Editora Zahar, dão um toque especial ao livro.
Émile Zola nasceu em 02 de
abril de 1840 em Paris. Foi um consagrado escritor, considerado criador e
expressivo representante da escola literária naturalista. Zola também escreveu
para jornais e suas colunas não poupavam críticas a Napoleão III. “O Romance
Experimental”, de 1880 é considerado o manifesto do movimento literário
naturalista. Em 1871 ele iniciou um grande projeto: a série “Os Rougon-Macquart”,
à qual deu o subtítulo de história natural e social de uma família sob o
segundo império. O projeto foi composto por 20 romances de cunho naturalista, e
foram escritos entre 1871 e 1893. O autor buscava empregar o método científico
vigente em seu tempo, apresentando influência da hereditariedade e do meio na
formação da personalidade individual (o que ocorre na Besta Humana, por
exemplo).
Ficha Técnica
Título: A Besta Humana
Escritor: Émile Zola
Editora: Zahar
Edição: 1ª
ISBN: 978-85-378-1291-4
Número
de Páginas:
367
Ano: 2014
Assunto: Ficção francesa
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