Em “Deixei ele lá e vim”, da escritora Elvira
Vigna, Shirley Marlone é a narradora. De forma quase descarada, ou podemos
dizer disfarçada, a narradora "mente" para o leitor. Alguns pontos que ela nos
conta parecem ser sua forma própria de adequar os acontecimentos ao que ela
gostaria que fosse. Talvez omita detalhes.
“E que
é inventar os últimos acontecimentos, e os primeiros. Ou os que nunca de fato
aconteceram, mas poderiam. Ou os que aconteceram e eu guardei num lugar separado
para depois, para quando tivesse tempo e calma, numa hora como a de agora, em
que conto tudo isto, ou como aquela daquele momento em que estava na praia.” Nessa passagem,
nota-se claramente que algo do que ela nos conta pode ser a forma como ela
resolve contar.
Sem emprego e se envolvendo com homens ricos,
Shriley começa a receber dinheiro em troca de sexo. Se vê então virando garota
de programa, sem programar-se para tal fato. A narradora revela quase surpresa
que foi se acomodando com a situação. Recebe o primeiro dinheiro em troca de
sexo de alguém que sabia que ela estava desempregada.
“Conheço
bem e tenho medo do necessário. Em geral, o necessário é o outro nome de
insuficiente.”
O desparecimento de uma mulher na praia e seu
calçado encontrado por um cachorro coloca uma dúvida no ar. Teria a mulher
chamada Dô se suicidado ou teria sido assassinada por alguém hospedado no hotel
que a tenha conduzido pela praia?
A narradora diz algo que nos leva a
compreender o título do livro, uma vez que não estamos falando do
desparecimento de um homem: “Percebi em
algum momento depois, nesse tempo todo que passou, que o que mais me atraia na
frase ‘deixei ele lá e vim’ era o ‘vim’... era para criar algum fio que me
prendesse.” São lembranças de quando ela havia deixado para trás o corpo do
pai (morto). Shirley tem hábito de deixar
as coisas para traz e lançar-se para frente, para um lugar qualquer. Ela diz
querer ir a São Paulo, mas não se diz satisfeita com esse seu objetivo.
Dô talvez esteja desaparecida (ou morta?).
Bibbi ou Bubi ou Bibu é suspeito pelo sumiço da moça, mas Shirley também se
torna suspeita, inclusive de ter planejado tudo desde o início da história.
Outro suspeito pode ser um homem de boné xadrez. Aos poucos, Shirley vai nos
contando o que viu e o que sabe.
A personagem-narradora tem um texto em que se
emaranham acontecimentos que narra e divagações sobre fatos e sentimentos. Isso
a torna próxima, porque ela não figura apenas como mera contadora da história.
Seus pensamentos parecem lançar-se junto com os acontecimentos formando uma
colcha de retalhos que vão dando sentido ao que ela conta.
“Não
tenho dificuldade em fazer papéis, é coisa que aprendi em criança, chamo de
sobrevivência”.
Talvez essa frase de Shirley diga bem quem ela realmente é.
O livro termina, mas a história ainda ressoa.
Alguma solução diferente sobre o caso é possível ser imaginada pelo leitor. No
fundo, após concluir a leitura, penso que Shirley nos conta uma história imaginada
por ela, enquanto ela tentava fugir de si mesma, de algo que fizera. Complexo?
Leia e descobrirá.
Ficha Técnica
Título: Deixei ele lá e vim
Escritor: Elvira Vigna
Editora: Companhia das
Letras
ISBN: 978-85-359-0903-6
Edição: 1ª
Número
de Páginas:
149
Ano: 2006
Assunto: Romance brasileiro
Assunto: Romance brasileiro
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