Uma palavra-caminhão atropela um ponto. Dá-se
início a uma revolução que envolve vogais, vírgulas, asteriscos e outros tipos
linguísticos. Todos revoltados no Reino de Ponto Alegre, que tem uma rainha
raivosa e intransigente, além de um rei deprimido e sem ação.
Palavra-caminhão tenta fugir de seu ato e,
com sua esposa palavra-ônibus, vão tentar uma vida disfarçados ao lado do ponto
atropelado que vira seu filho adotivo. Vão viver numa igreja que eles montam
para obter algum ganho dos fiéis.
“A
adoção é um gesto honrável neste capítulo da história tão cheio de gestos
condenáveis...”
Um misterioso pó amarelo, proveniente de uma
arma química, ameaça o sentido linguístico e cria certa confusão nesse
universo: “o galo pensou que a galinha
era uma galáxia e teve um desmaio; a galinha pensou que o galo era um galho e o
ignorou...”
As notícias sobre os acontecimentos de Reino
Alegre são contadas por um repórter sensacionalista, o Vocativo.
Há um jogo de palavras que convida o leitor a
dar sentido à história que nos é contada. A Língua Portuguesa, vasta, rica,
complexa e singular, preenche as páginas, cujo autor do livro utiliza de modo
brilhante. Não só falo que preenche as páginas pelo fato de o livro ser em
português, mas porque os diversos componentes da língua estão presentes, ora
como personagens, ora como referências, ora no jogo de palavras que torna a
leitura ainda mais interessante.
Há humor, sabedoria, provocação no modo quase
maluco de contar a história e em que seus personagens, igualmente malucos, nos
levam a um mundo de fantasia e de conhecimento. Uma deliciosa leitura.
Não será incomum certamente, compararmos
certas ações, a ensaios de revoluções sociais que vemos no país. Pessoas que se
juntam para reclamar alguma questão que lhes desagrada e grupos outros que tentam
de um modo ou de outro não apenas se contrapor, mas destituir a legitimidade de
quem luta.
Implicitamente há referências aos
comportamentos que adotamos em sociedade. Um reflexo de um país em que há quem
luta pelo poder, quem quer ser reconhecido e quem busca fama ou dinheiro e
muitas outras coincidências que serão notadas pelo leitor. O título do livro é clara referência à Primavera Árabe que trata-se da eclosão de revoltas do povo árabe contra governos, tendo como base de seu surgimento a insatisfação com a crise econômica e a falta de democracia.
Não faltam também surpresas que toda
narrativa interessante deve ter, além de a pontuação ganhar destaque inclusive
na parte gráfica do livro. A pontuação (vírgulas, pontos finais, aspas,
reticências etc), são destacadas em negrito e em fonte maior do que a utilizada
no texto.
O livro traz ainda um pós-escrito do autor
(não deixe de ler), um glossário e referências à citações que são feitas pelos
personagens ao longo da maravilhosa narrativa.
Ficha Técnica
Título: A Primavera da Pontuação
Escritor: Vitor Ramil
Editora: Cosac Naify
ISBN: 978-85-405-0611-4
Edição: 1ª
Número
de Páginas:
192
Ano: 2014
Assunto: Ficção brasileira
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